quarta-feira, 20 de junho de 2012

Em defesa da qualidade dos projetos produtivos rurais

 O Jornal de Hoje
Em defesa da qualidade dos projetos produtivos rurais

Por Joacir Rufino de Aquino & Augusto Carlos A. T. Carvalho
(Economistas e professores da UERN) 
 Data: 14 junho 2012 - Hora: 19:31 - Por: Portal JH, Natal-RN


 
 






Nas reuniões em defesa das famílias do campo nordestinas, um dos temas mais recorrentes é a falta de dinheiro para investir e agregar valor à atividade agropecuária. De fato, a falta de infraestrutura é um gargalo que limita as chances das famílias pobres ampliarem suas fontes de renda. Para se ter uma ideia, em 2006, um ano bom de chuvas, apenas 3,5% dos 71.210 agricultores familiares potiguares realizaram algum tipo de beneficiamento agroindustrial da produção.

Deve-se registrar, porém, que a precariedade do quadro apresentado pelo Censo Agropecuário do IBGE (2006) não decorre apenas da falta de recursos e projetos nessa área. Isso porque nos últimos anos muitos empreendimentos foram financiados, inclusive, sem reembolso. O que inquieta é que pouquíssimos destes conseguiram prosperar. Ao se passar pela zona rural do nosso estado, é comum encontrar casas de farinha, engenhos e outros tipos de agroindústrias que tiveram vida curta ou estão sem funcionar. Recentemente, pesquisa de monitoramento e avalição coordenada pelo professor Dr. Emanoel Márcio Nunes, da Facem/UERN, constatou que até projetos do audacioso Programa Territórios da Cidadania (grande inovação e aposta do governo Lula) estão parados.

Mas o que deu errado se tais projetos, na maioria dos casos, foram escolhidos por agricultores familiares em reuniões mediadas por técnicos que atuam nas instâncias deliberativas municipais e territoriais? As respostas são múltiplas e envolvem vários fatores.






Uma parte dos empreendimentos fechou suas portas ou não consegue funcionar devido às flutuações inerentes às atividades agropecuárias, agravadas, diga-se de passagem, nesses tempos de estiagem. Mas um número não desprezível dos projetos executados fracassou simplesmente porque não apresentava viabilidade econômica. O problema é que, na ânsia de cumprir prazos e atender às demandas imediatas das comunidades, muitos investimentos são feitos com pouca observância aos critérios de sustentabilidade, sem estudos técnicos mais detalhados, que no caso das atividades agrícolas exige uma complexidade maior do que aquelas desenvolvidas na zona urbana.

Em determinadas situações, constrói-se uma usina de leite sem conhecer a produção da região, os concorrentes locais e sem se preocupar com a capacitação dos agricultores para a produção e a gestão do empreendimento. Em outros casos, estimula-se a atividade agropecuária sem levar em conta nos cálculos os investimentos necessários para garantir a melhoria genética, a manutenção dos rebanhos e a comercialização da produção. Os resultados desse tipo de ação, como atestam várias experiências, quase sempre ficam abaixo do desejado.

Junte-se a isto o fato desses projetos passarem por descontinuidades em razão de desavenças político-partidárias. Acontece que determinado gestor municipal geralmente não encara com o mesmo olhar de prioridade o projeto “X” em razão de que não foi ele que deu início ao seu processo de implementação. Nesses casos, os agricultores familiares passam a depender da boa vontade do gestor público, que dificilmente vem na hora certa. Isso cria barreiras institucionais duras de remover, terminando por inviabilizar o projeto e o clima de cooperação estabelecido em nível local.




 De maneira geral, é difícil encontrar uma localidade que não tenha enfrentado algum desses problemas, especialmente com os projetos a fundo perdido. Ora, se isso é verdade também não se pode desconsiderar que raramente essas questões têm sido discutidas com a devida atenção. Na verdade, o foco ainda está centrado na quantidade. A luta frequente é por mais e mais recursos e não pela qualidade na aplicação e seus resultados.

Essas informações sinalizam que é preciso aprimorar os mecanismos de planejamento e elaboração dos projetos. Além do estudo de viabilidade, deve-se pensar sobre a cadeia de produção e a gestão do empreendimento numa perspectiva temporal. Não basta, por exemplo, apenas estimar quanto custa fazer uma agroindústria. É fundamental também averiguar se ela vai ser viável ao longo do tempo, se os agricultores estão dotados dos conhecimentos necessários, se eles têm capital de giro ou se dispõem de canais para consegui-lo, se existe mercado para a produção e qual o grau de controle social sobre o empreendimento. Por sua vez, os investimentos na pecuária não podem vir dissociados de uma estratégia complementar que assegure um “kit” de tecnologias de convivência com o semiárido, visando garantir suporte forrageiro e água para os rebanhos nos momentos de escassez.






O caminho para isso passa pela contratação de profissionais experientes e, principalmente, pelo estabelecimento de parcerias entre os agricultores, gestores públicos, universidades e institutos tecnológicos, hoje instalados nos quatro cantos do RN. Todavia, nenhum esforço será suficiente sem a busca deliberada pela qualidade. Numa região pobre como o Nordeste, que vai precisar de cada centavo para se recuperar da seca de 2012, não é possível desperdiçar o valioso dinheiro público que deve ser aplicado com responsabilidade e eficiência. Para tanto, os projetos não podem se limitar a ser uma mera peça burocrática que se resume a fazer “mais do mesmo”. Eles devem espelhar a realidade e ser consistentes para garantir bons resultados socioeconômicos para as comunidades beneficiadas.

A superação dos tempos difíceis que estamos vivenciando exige compromisso e criatividade. A busca por mais recursos é legítima e deve continuar, mas é preciso dar atenção especial à qualidade dos investimentos realizados. É inadmissível que um projeto produtivo não funcione pelos motivos elencados, pois isso gera perdas monetárias e, acima de tudo, frustração e tristeza para as famílias que acreditavam no empreendimento, comprometendo sua esperança com o futuro. Portanto, antes de qualquer coisa, o desafio maior é realizar um debate profundo sobre os erros e fracassos do passado para que seja criada entre os atores a vontade coletiva de evitá-los. Fazer isso, dentro de uma lógica de avaliação permanente das ações desenvolvidas, parece ser a melhor maneira de aprimorar a gestão e aplicação das verbas governamentais em favor de estratégias produtivas sustentáveis visando melhorar as condições de vida das populações do meio rural.

Disponível em: <http://jornaldehoje.com.br/em-defesa-da-qualidade-dos-projetos-produtivos-rurais-por-joacir-rufino-de-aquino/>.

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